Entrevista: Pedro Lodovici Neto
Engenheiro e músico de jazz, pesquisador estuda vantagens da musicoterapia no tratamento a doentes de Parkinson
Desde jovem, Pedro Lodovici Neto (na foto, tocando bateria) trabalhou como engenheiro. Desde criança, foi apaixonado por música. No decorrer da vida, percebeu que essa duplicidade de interesses se traduzia, na verdade, em uma triplicidade de fazeres que lhe tomavam todo o tempo: a dedicação aos idosos da família. “Sempre me dediquei aos mais velhos, invariavelmente me achegava a eles, escutava suas experiências de vida, seus problemas...”. Quando resolveu voltar à vida acadêmica, não teve dúvidas, procurou o Pós em Gerontologia na PUC-SP. No final do ano passado, defendeu a dissertação A musicoterapia como tratamento coadjuvante à doença de Parkinson, sob a orientação da prof.ª Beltrina Côrte. Ainda em 2007, Pedro finaliza o doutorado em Ciências Sociais, na área de Antropologia do Envelhecimento, sob orientação da prof.ª Maria Helena Villas Boas Concone. Tudo isso em meio aos preparativos para a comemoração de 50 anos de sua banda de jazz tradicional, a “São Paulo Dixieland Band”, mais antiga do Brasil em atividades ininterruptas. Por Thaís Polato
PUC-SP – O sr. afirma que a música é um excelente meio para melhorar a vida do doente de Parkinson. Por quê?
Pedro Lodovici Neto – A Música constitui uma via privilegiada de tratamento na minimização dos efeitos de ordem motora e não-motora, associados à doença de Parkinson, conforme pude verificar em minha pesquisa desenvolvida a partir de casos analisados na Associação Brasil-Parkinson, em São Paulo. E, o que é espantoso, pode retardar e até mesmo estancar a progressão do quadro patológico, conforme comprovam pesquisas como a do neurologista Oliver Sacks (1997), nos Estados Unidos, de Egberto Reis Barbosa (2005), no Brasil, dentre inúmeras outras. A música, sem sombra de dúvidas, muda significativamente a vida de um doente de Parkinson, ao levá-lo para outro lugar que não o dos tremores ou da imobilidade, do isolamento, da solidão, da dor...
PUC-SP – E como isso pode se dar concretamente?
Pedro – Por exemplo, com a participação do doente em um coral, ou tentando tocar um instrumento, ou por meio de exercícios musicais orientados, ou ouvindo música ou simplesmente recordando-se de músicas do passado. Na verdade, qualquer “fazer musical” faz cessar tremores, devolve movimentos de pernas, braços e cabeça no exercício das articulações, faz voltar a alegria no contato com os amigos, outros doentes ou familiares, o entusiasmo pela vida. Em suma, refaz os laços do indivíduo consigo mesmo e com as outras pessoas, passando ele a conviver melhor com a doença. A relevância de se saber dessas coisas é a de que qualquer doença degenerativa – como a de Parkinson, ou a de Alzheimer –, não escolhe a quem atingir, acometendo não apenas pessoas idosas, mas também jovens e crianças, pobres e ricos, pessoas fortes ou fracas, celebridades ou não-celebridades...
PUC-SP – No caso especialmente de idosos, quais são os principais benefícios?
Pedro – Além dos que já citei, a Musicoterapia tem o papel essencial de vivificar as funções ditas mnêmicas (de memória), assim como as demais funções cognitivas, a ponto de, a partir da produção sonoro-musical, contribuir na elaboração de conteúdos mentais mais complexos, o que faz com que o doente resgate a memória desejada, que consiga o retorno de movimentos corporais comprometidos, que se sinta um ser produtivo e harmonizado com sua idade cronológica. Acrescente-se ainda que a Musicoterapia auxilia a pessoa idosa portadora da Doença de Parkinson a orientar-se, restabelecendo as coordenadas de tempo e espaço; a relaxar, no caso de insegurança ou ansiedade; expressar-se melhor, quando existem problemas de comunicação; potencializar as funções físicas e mentais com problemas e reforçar a autonomia pessoal, através da música; receber uma maior atenção, um reconhecimento e um sentido de seu próprio valor como sujeito, pois, por exemplo, ao retomar músicas da infância ou juventude, enfim, músicas que afetaram beneficamente sua vida, ao participar de sua execução, elas farão emergir sua criatividade musical, lhe trarão uma renovação em seu estado de ânimo, auxiliando a recompor corpo e espírito.
PUC-SP – Em sua dissertação, o sr. também diz que a Musicoterapia reflete sobre temas relacionados à vida/morte, saúde/doença, além de repensar a relação da pessoa com sua doença e com as demais pessoas do seu ambiente. De que forma isso se dá?
Pedro – A Musicoterapia, enquanto área do conhecimento, traz à reflexão e à discussão temas como vida, morte, saúde, doença, ser jovem e ser velho na contemporaneidade, a música como ofício, prazer e terapia, a medicação alopática e terapias complementares, os tabus e preconceitos em torno das doenças degenerativas, faz repensar a relação da pessoa com a sua doença e com as demais pessoas do seu convívio pessoal ou social... Entre outras coisas, leva as pessoas ao contato com um saber teórico sobre o envelhecimento, sobre a velhice, que escapa ao senso comum, pois é fundado em uma perspectiva teórico-científica; leva-as à convicção de que este saber está sempre em aberto, de forma dialética, referindo uma realidade em movimento constante; leva-as ao empenho para que se garantam condições de vida com qualidade aos mais longevos; ao propósito de o idoso ter garantida sua autonomia, o reconhecimento de que é um cidadão senhor de seu próprio destino, independentemente de idade, de seu estado físico ou mental e do lugar onde esteja; leva as pessoas a sentirem que vencer uma doença degenerativa, como a Parkinson ou a Alzheimer, pode significar tê-la e conviver harmoniosamente com ela, não se deixando abater pelas más condições físicas ou mentais, e ainda dar aos outros seu testemunho de luta contra a doença, tentando retardá-la e aprendendo a viver com ela.
PUC-SP – Tais posturas poderiam mudar a relação das pessoas com a Doença de Parkinson?
Pedro – Sim, pode levá-las a desmistificar e a encarar por outro ângulo o temido conceito “Doença de Parkinson” e mesmo o de velhice. Ambos, longe de representar um passo para a morte, como costumam ser ditos, fazem parte do processo de envelhecimento, ao qual ninguém se furta, já que se envelhece desde que se nasce. Muitas doenças degenerativas surgem ainda na infância; portanto, um idoso deve encarar a doença como qualquer outro acontecimento patológico em sua vida, fazendo concretizar mais uma vez sua “resiliência”, essa capacidade de resistência de uma pessoa diante de circunstâncias adversas da vida, que a fazem transformar-se, valer-se dessas experiências para mudar a vida e também a de outras pessoas.
PUC-SP – Por que o sr. resolveu estudar este tema?
Pedro – Desde jovem, eu atuava como engenheiro em empresa e, desde criança na música, por gosto. No decorrer do tempo, me dei conta que essa duplicidade de interesses que existia em mim se traduzia, na verdade, em uma triplicidade de fazeres que me tomavam todo o tempo – sempre me dediquei aos mais velhos da família, invariavelmente me achegava a eles, tendo escuta a suas experiências de vida, a seus problemas. Resolvi, então, começar um estudo mais aprofundado sobre o processo de envelhecimento, no Mestrado em Gerontologia da PUC-SP. Só a partir daí eu poderia me dizer um verdadeiro interessado pela condição de vida dessas pessoas mais idosas. Não era novidade para mim o valor da linguagem musical... Acabei optando por aproximar a música – ofício que sempre me trouxe muito prazer –, a pessoas que sofrem com doenças degenerativas, como a Doença de Parkinson. E com quais pessoas eu poderia trabalhar? Com idosos logicamente, doentes de Parkinson, filiados a Associação Brasil-Parkinson. Assim passei a estudar como a Música age em favor da vida das pessoas. Hoje, a Musicoterapia se afigura, para mim, como uma das vias mais felizes para um trabalho responsável, sério, com pessoas que padecem pelos complicados efeitos motores e não-motores trazidos por doenças degenerativas, como a Parkinson e a Alzheimer.
PUC-SP – O sr. ressalta já no título de seu mestrado que a Musicoterapia é um importante coadjuvante no tratamento...
Pedro – Sim, e o que é fundamental, ela deve ser necessariamente concebida como uma terapia – daí se dizer Musicoterapia – e deve atuar, a meu ver, em complementaridade ao tratamento farmacológico, fisioterapêutico, envolvendo muitas vezes também o fonoaudiológico, o logofoniátrico, o psicológico/psicanalítico, o artístico, a terapia corporal... Ou seja, o tratamento musicoterápico sozinho não faz milagre: precisa ser coadjuvante a (ou estar inserido em) um programa multidisciplinar, implicando, assim, vários tratamentos dirigidos ao doente, que congreguem o envolvimento de profissionais de várias áreas, atuando em conjunto para um trabalho mais eficiente e que possa conseguir resultados eficazes, de fato. Chegará um dia, acredito com muita esperança, que esse tratamento possa ser dito e reconhecido como interdisciplinar, em que todos os profissionais envolvidos nesse desafio cruzem seus conhecimentos de tal forma que resulte na geração de um campo novo, bem específico, para superar não apenas a problemática da sintomatologia das doenças degenerativas, mas também vencer sua progressão ou tentar deter sua instalação. Um grandioso desafio.
PUC-SP – Como escolheu as pessoas para a sua análise?
Pedro – Escolhi a Associação Brasil-Parkinson por oferecer condições, de certa forma, privilegiadas. Naquele local tem-se a doença em diversos estágios para se observar. Essa instituição congrega uma grande equipe de profissionais, composta dentre outros, por cuidadores de idosos, fisioterapeutas, terapeutas corporais, fonoaudiólogos, que atuam em consonância com voluntários que auxiliam em variadas tarefas, mas que têm todo um conhecimento do desenvolvimento da doença de Parkinson e do bem que o programa de tratamento multidisciplinar ali realizado traz aos doentes. Pianista e regente do coral, por exemplo, atuam como musicoterapeutas em atividades com canto em coral terapêutico. Outras atividades complementam o tratamento dos parkinsonianos, como o exercício da pintura, de trabalhos manuais e o aspecto que, a meu ver, é nodal: a convivência salutar que ali se dá entre os doentes, seus familiares e os profissionais de todas as áreas envolvidas. Posso dizer que há uma harmoniosa interação entre todos. Verifica-se que a Música é fundante para esses doentes. É o vínculo essencial a que estão ligados; é um caminho de esperança para minimizar os efeitos incômodos de ordem motora e outros decorrentes da Doença de Parkinson. Eles usam as músicas e os sons que geram para se tornarem mais sensíveis a seus próprios ritmos e ciclos, para se sentirem mais integrados e lúcidos. As vivências musicais na Associação Brasil-Parkinson são a oportunidade de eles se esquecerem por momentos de sua doença, e levarem a vida com mais sentido e otimismo, com a esperança trazida pelos avanços no tratamento da doença, em que são exemplares as pesquisas com células-tronco, que prometem, em breve, fazer o cérebro humano funcionar como uma orquestra afinada.
PUC-SP – Quais as principais conclusões do seu estudo?
Pedro – Fica-me o sentimento de que é preciso criar uma nova cultura em torno das doenças degenerativas; que as pessoas revejam seus paradigmas acerca da vida, da saúde, do sujeito na relação com sua doença, na relação com as outras pessoas. Que assumam o esforço resiliente que é preciso empreender nesse campo de doenças especialmente as de tipo idiomático (ou de origem desconhecida) como a de Parkinson. Que políticas públicas de apoio se criem com o envolvimento da sociedade civil no sentido de mudança de paradigmas, de conceitos, de quebra de tabus e preconceitos acerca das doenças, do envelhecimento, da velhice... Que lutemos por um grande investimento no campo da prevenção, seja quanto aos tratamentos médicos quanto aos tratamentos complementares. Com os parkinsonianos, sujeitos de meu trabalho, fica patente a resiliência de cada um deles. A importância dada ao dia do Coral e das atividades desenvolvidas, apesar de todas as adversidades como o trajeto, muitas vezes distante, até chegar à Associação Brasil Parkinson, e tudo o que isto demanda, nos leva a pensar que talvez tenhamos que ter obstáculos à consecução de nossos objetivos para lutar por alcançá-los... Haja vista a vitalidade de cada um daqueles doentes, familiares, voluntários e profissionais e o desejo de estarem presentes sempre – e com muita felicidade – em todas as atividades. Finalizo esta resposta sobre a Música na Doença de Parkinson inserindo, à moda de interlúdio sobre música do neurologista Oliver Sacks, meu poslúdio: “A Musicoterapia é o mais essencial dos processos terapêuticos, porque leva o indivíduo portador da D.P. a manter uma posição “resiliente” diante da vida, ao minimizar os efeitos motores e não-motores, transformar-se a si mesmo diante da doença, sobrepondo-se a seus efeitos, ganhando força até para estancá-la em sua progressão, além de conseguir, pelo seu exemplo, mudanças significativas em outros doentes. Tudo isso porque a Musicoterapia possibilita que o indivíduo orquestre mente, corpo e coração, resgatando sua identidade sonoro-musical. Em suma, a Musicoterapia o faz tornar-se maestro de sua própria vida e da vida de outras pessoas”.
Thaís Polatotpolato@pucsp.br
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
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